Ciências da Religião e Teologia: pesquisas em diálogo II
Resumen
A revista Caderno Teológico da PUCPR, em continuidade à publicação anterior Ciências da Religião e Teologia: Pesquisa em Diálogo I, tem como escopo apresentar reflexões na área dos direitos humanos, da bioética, espiritualidade, ecologia e tecnologias, reflexões que se encontram na fronteira entre teologia e ciências da religião.
Na contemporaneidade, há uma crescente preocupação como o domínio das tecnologias, consumismo e individualismo, evidenciando a primazia do racional e científico sobre outras formas de conhecimento. Segundo Hilton Japiassu (2009), Gabriel Marcel reconhece que sagrado e profano se definem mutuamente, afirmando que a autenticidade humana depende do sagrado como um alicerce incorruptível. Japiassu também destaca a pergunta provocativa de Nietzsche sobre a emergência das ciências sem a pré-existência de práticas ocultas e místicas.
Ao longo da história, especialmente na tradição ocidental, houve uma tendência radical de rejeitar a imaginação e subjetividade em campos associados à ciência. Contudo, na contemporaneidade, observa-se um debate entre defensores de uma sociedade que valoriza a religião e aqueles que advogam por uma moralidade e espiritualidade sem a necessidade de Deus, refletindo uma polarização entre niilismo e fundamentalismo (Japiassu, 2009, p. 111). Neste contexto, o diálogo entre ciências da religião e teologia se apresenta como essencial, promovendo a esperança de unidade na diversidade.
Um diálogo transdisciplinar, inspirado na inter-relação natural entre os seres vivos, e uma visão cosmocêntrica emergem como contribuições significativas para a compreensão contemporânea (Cf. Libanio, 2009). A questão crucial sobre como as novas tecnologias influenciam o avanço humano em direção a melhores condições de vida é central neste debate. Assim, este dossiê reúne uma série de artigos destinados a enriquecer essa reflexão.
O artigo A violência Doméstica contra a mulher na perspectiva das lideranças evangélicas: revisitando as literaturas, das autoras Lídia Maria Santana e Sandra Célia Coelho Gomes da Silva, analisaram a visão das líderes evangélicas sobre a violência doméstica contra as mulheres. O foco da pesquisa encontra-se na forma como se posicionam e atuam de maneira interventiva e dialógica na educação em saúde para enfrentar o problema. A partir disso será possível demonstrar que a violência contra a mulher não escolhe cor, raça, classe social e nem mesmo religião. As autoras constataram a escassez de estudos sobre o papel das lideranças religiosas no combate a violência contra a mulher, indicando a necessidade de mais discussões e pesquisas sobre o tema. Uma leitura indispensável para o momento em que vivemos.
No artigo Tanatoprofecia, Biotanatoprofecia e as interconexões com o continuísmo profético pentecostal, dos autores Michel Procópio Miranda e Waldir Souza, enfoca os ambientes hospitalares, com o objetivo de identificar se os pentecostais da Assembleia de Deus praticam Tanatoprofecia ou Biotantoprofecia e qual a sua recepção na sociedade, visando contribuições significativas para a academia e as práticas de cuidado terminal. O estudo visa através da pesquisa compreender a morte nas ciências humanas e na Bioética. Este trabalho busca expandir o conhecimento sobre como as crenças religiosas, especificamente do pentecostalismo, podem moldar as práticas de cuidado terminal e as decisões éticas relacionadas, oferecendo insights valiosos para profissionais da saúde, teólogos e pesquisadores interessados nesse campo interdisciplinar.
O artigo A Inteligência espiritual e o sentido último do ser humano, das autoras Márcia Regina de Almeida e Andréia Cristina Serrato, problematiza como a Inteligência Espiritual (QS) pode contribuir com o ser humano diante de tantas e rápidas mudanças para que não desenvolva problemas de ordem emocional ou existencial. Além disso o objetivo do estudo encontra-se em demonstrar que a Inteligência Espiritual é um grande auxílio para encontrar a transcendência, bem como o sentido último do ser humano. Tema novo e muito atual.
Na diversidade de discussões o artigo A influência Luterana na hermenêutica de Schileiermacher, o início da uma interpretação científico-teológica das Sagradas Escrituras, Caroline Cougo, apresenta a importante reflexão desenvolvida ao relacionar as obras de Martinho Lutero com as obras de Friedrich Schleiermacher. Ao apontar as divergências e convergências entre ambos os estudiosos, demonstra como tanto eles como a reforma protestante inspiraram uma revolução na Hermenêutica. Grandes nomes que nos motivam e nos mobilizam a novos ares teológicos. Vale conferir a discussão e desvendar a nova hermenêutica apresentada.
Dentre as discussões apresentadas, nos transportamos para o Timor Leste, uma excelente leitura encontra-se no artigo Entre Religião Cristã e Religião Mambae: Tensões existentes no processo de evangelização. A autora timorense, Madalena Andrade, conhecedora de sua tradição, destaca a relação entre a religião cristã e a forma de religião praticada e vivida no contexto etnolinguístico Mambae (Timor-Leste). Apresenta os valores tradicionais da Uma Lulik, que significa Casa Sagrada e representa o berço de todas as gerações pertencentes a uma linhagem dentro de um grupo étnico e preserva os objetos antigos pertencentes aos antepassados e considerados sagrados. A autora buscou na pesquisa de campo ouvir como a população responde à autorevelação de Deus através da sua religião tradicional, no curso da natureza e nos acontecimentos da vida humana.
Do Timor Leste para o Brasil, o artigo, Missão Digital da Igreja: Alcances e limites da pastoral virtual na eclesiologia batista, de Kemuel Andrade, propõe a reflexão sobre a possibilidade da pastoral virtual como uma missão da Igreja. Tema com a complexidade dos alcances e limites a partir das tecnologias digitais de informação e comunicação. O foco da pesquisa situa a Igreja Batista no contexto da cultura digital da atualidade e deseja contribuir para compreender a fé e a missão por meios digitais. Neste sentido traçará caminhos para uma reconfiguração da eclesiologia batista a partir da atual cultura digital. O artigo oferece reflexões para enfrentar a dicotomia entre evangelização e cultura digital.
No artigo, Uma Leitura Teológica da Declaração Islâmica do Clima, dos autores Rubens Gonçalves e Marcial Maçaneiro, encontra-se um olhar interdisciplinar e inter-religioso. Ao examinar os fundamentos teológicos da Declaração Islâmica do Clima (2015), se é iluminado através da teologia islâmica da Criação para o olhar de urgência para o controle da emissão de gases de efeito estufa, imposta pela aceleração de mudanças climáticas. Desvela-se aí os argumentos e recomendações da Declaração com questões teológicas implicadas e seus campos de aplicação para a crise ecológica e a questão das mudanças climáticas bem marcadas. Essa discussão demonstra a aproximação entre Cristianismo e Islã no compromisso com o meio-ambiente.
Na mesma esteira da criação e casa comum, as autoras, Nadi Maria de Almeida e Carmélia Chaves Soares dos Santos, com o artigo intitulado A criação divina e a contribuição das novas tecnologias para o cuidado com a casa comum, exploram a maneira como as inovações tecnológicas podem contribuir para o cuidado com a casa comum. O artigo tem como foco de discussão, explorar como as crenças religiosas e espirituais utilizam e interagem com os meios digitais e influenciam a percepção dos seres humanos em relação a natureza como obra da criação divina. As autoras se propõem ainda a analisar a relação entre fé e crenças em relação ao sagrado conectando à natureza, examinando elementos que contribuam para a preservação da natureza envolvendo o ser humano e a sustentabilidade espiritual global. Uma leitura intrigante para darmos passos em direção ao cuidado a casa comum.
O último artigo proposto no dossiê, Evangelização e seus desafios em tempos da inteligência artificial, das autoras Débora Regina Pupo de Lima e Eva Gislane Barbosa, nos convidam a questionamentos sobre a catequese, evangelização e redes sociais. Elas perguntam: “Pode-se evangelizar pelas redes sociais? É possível falar de catequese virtual, ou on-line? E a formação dos catequistas, pode ser virtualizada”. A partir dos questionamentos as autores se propõem a refletir sobre a contribuição que as mídias sociais oferecem à catequese e aos processos de iniciação à vida cristã, a relacionar os desafios que a catequese on-line pode trazer para os itinerários catequéticos. Contudo nos alertam que não podemos substituir o presencial pelos meios virtuais.
Os temas do presente dossiê nos convidam, portanto, a ampliar nosso olhar sobre os desafios que a comunidade acadêmica, em especial da área de Teologia e Ciências da Religião, enfrenta no seu compromisso ético diante dos avanços científicos e tecnológicos.