A “interdição do reconhecimento” em Frantz Fanon: a negação colonial, a dialética hegeliana e a apropriação calibanizada dos cânones ocidentais

Autores

  • Deivison Faustino PPGSSPS-UNIFESP/BS

DOI:

https://doi.org/10.7213/1980-5934.33.059.DS07

Palavras-chave:

Frantz Fanon, G. W. F. Hegel, Colonialismo, Dialética, Reconhecimento

Resumo

Neste artigo, discute-se as relações entre Frantz Fanon e a dialética hegeliana.  A Dialektik von Herr und Knecht é uma das chaves analíticas mais importantes de Phänomenologie des Geistes, publicado por G. W. F. Hegel em Jena, em 1807. No entanto, em seu Peau Noire, Masque Blancs, escrito aos 25 anos e publicado em 1952, Fanon argumenta que sob o jugo colonial a reciprocidade, característica basilar da dialética,  não se efetiva. A pergunta que se procura responder, no presente estudo, é: o argumento apresentado pelo autor representa uma ruptura, reafirmação ou transfiguração da dialética hegeliana? Diante desse desafio, são postos em diálogo alguns trechos de Phänomenologie, e de Peau Noire, Masques Blancs, bem como outros escritos posteriores de Fanon, para, em seguida, problematizar as proximidades, tensões e rupturas entre ambos. O argumento aqui apresentado girará em torno da defesa da existência de uma apropriação transfigurada (calibanizada) da dialética, por Fanon, a partir de três elementos interdependentes: 1. Fanon partilha do pressuposto hegeliano segundo o qual a identidade é produzida na relação recíproca com sua alteridade. 2. O estranhamento colonial interdita essa reciprocidade ao promover um decaimento da dominação política para o patamar de negação coisificadora e bestializada; 3. A negação colonial não é ontológica, mas histórico e, portanto, pode ser superada a partir de uma negação prático-sensível, levada a cabo pelos próprios colonizados.  Ao longo deste paper, discute-se-a, ainda, algumas implicações do argumento aqui defendido diante da literatura especializada no pensamento de ambos os autores.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Deivison Faustino, PPGSSPS-UNIFESP/BS

Graduado em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2005); Mestre em Ciências da Saúde/ Epidemiologia pela Faculdade de Medicina do ABC (2010) e Doutor em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCAR (2015) e Pós-Doutor em Psicologia Clínica no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP (2021.). Foi Consultor do Fundo das Nações Unidas para Populações - UNFPA (2010/17/18); formador da Secretaria de Educação do Município de São Paulo; Professor de história da África na Faculdade São Bernardo (2010-2014); Visiting Scholar PDSE junto ao Department of Philosophy (University of Connecticut, UConn, 2014-2015) e recebeu, em 2016, a Menção Honrosa do Prêmio Capes de Tese na área de Sociologia, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-  CAPES. Atualmente é Professor do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista; integrante do Instituto Amma Psique e Negritude e membro do comitê editorial das Coleçãões Palavras Negras (Editora perspectiva) e Diálogos da Diáspora (UCITEC). Tem experiência com ensino, pesquisa e extensão nos temas Educação das Relações Étnico-Raciais, Pensamento Negro, Saúde da População Negra e Psicologia e Relações Raciais, Capitalismo e Racismo. É autor dos livros "Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente negro" (2018) e "A disputa em torno de Frantz Fanon: a teoria e a política dos fanonsismos contemporâneos" (2020).

Referências

A BÍBLIA: tradução ecumênica. São Paulo: Paulinas, 2002.

ALESSANDRINI, A. C. Frantz Fanon and the future of cultural politics: finding something different. Lanham, MD: Lexington Books, 2014.

ARENDT, H. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.

ARISTÓTELES. Política. Trad. Antônio Campelo Amaral; Carlos de Carvalho Gomes. Lisboa: Vega, 1998.

BHABHA, H. Day by day... with Frantz Fanon. In: READ, A. (Ed.). The fact of blackness: Frantz Fanon and visual representation. Seattle: Bay Press, 1996.

BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

BHABHA, H. The location of culture. New York: Routledge Classics, 1994.

BIRD-POLLAN, S. Hegel, Freud and Fanon: the diabetic of emancipation. London; New York: Rowman & Littlefield International, 2015.

BRENNAN, T. Apuestas subalternas. New Left review, v. 89, nov./dez., 2014.

BUCK-MORSS, S. Hegel and Haiti. Critical Inquiry, v. 26, n. 4, p. 821-865, Summer 2000.

BUCK-MORSS, S. Hegel, Haiti and universal history. In: BUCK-MORSS, S. Illuminations: cultural formations of the Americas. Pittsburgh: University of Pisttsburgh Press, 2009.

BUTLER, J. Deshacer el genero. Trad. Patrícia Soley-Beltran. Barcelona; Buenos Aires; México: Editora Paidos, 2006.

CHASIN, J. A miséria brasileira: 1964-1994: do golpe militar à crise social. Santo André: Estudos e Edições Ad hominem, 2000.

CHOW, R. Female sexual agency, miscegenation, and the formation of community in Frantz Fanon. In: ALESSANDRINI, A. Frantz Fanon: critical perspectives. London; New York: Routledge, 1999.

CROWELL, J. Marxism and Frantz Fanon's theory of colonial identity: parallels between racial and commodity-based fetishism. Scientifica Terrapin, 2011.

DE BEAUVOIR, S. Le Deuxième Sexe. Paris: Gallimard, 1976a. t. I : Les faits et les mythes.

DE BEAUVOIR, S. Le Deuxième Sexe. Paris: Gallimard, 1976b. t. II: L’Expérience vécue.

DE BEAUVOIR, S. Pour une morale de l’ambiguïté. Paris: Gallimard, 1966.

DOSSE, F. História do estruturalismo. São Paulo: Ensaio, 1993.

DU BOIS, W. E. B. As almas da gente negra. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999.

DUNAYEVSKAYA, R. Philosophy and revolution: from Marx to Mao and from Hegel to Sartre. Detroit: News and Letters, 1989.

ELLISON, R. Homem invisível. São Paulo: Editora Marco Zero, 1990.

FANON, F. Les damnés de la terre. Paris: Librairie François Maspero éditeuir, 1968b. (Petite collection maspero).

FANON, F. Os condenados da terra. Juiz de fora: Ed. UFJF, 2010. (Coleção Cultura, v. 2).

FANON, F. Peau noire, masques blacs. Paris: Editions du Seuil, 1952.

FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

FANON, F. Pour la révolution africaine (écrits politiques). Paris: François Maspero, 1964. (Cahiers Libres, n. 53-54).

FANON, F. Sociologia dúne révolution. L’an V de la Revólution Algerienne. Paris: François Maspero, 1968a. (Petite collection maspero).

FAUSTINO, D. M. A emoção é negra e a razão é helênica? Considerações fanonianas sobre a (des)universalização do “ser negro”. Revista Tecnologia e Sociedade, v. 1, n. 18, p. 121-136, 2013.

FAUSTINO, D. M. Frantz Fanon: capitalismo, racismo e a sociogênese do colonialismo. Revista SER Social, v. 20, n. 42, p. 148-163, jan./jun 2018b.

FAUSTINO, D. M. Frantz Fanon: um revolucionário particularmente negro. São Paulo: Editora Cíclo Contínuo, 2018a.

FAUSTINO, D. M. Introductory notes on ‘Africana philosophy’ and Lewis Gordon’s postcolonial humanism. Entreletras, v. 9, n. 1, p. 46-65, jan./jun. 2018c.

FAUSTINO, D. M. Por que Fanon? Por que agora?: Frantz Fanon e os fanonismos no Brasil. Orientador: Valter Roberto Silvério. Tese (Doutorado em Sociologia) — Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.

FAUSTINO, D. M. Sartre, Fanon e a Dialética da Negritude: diálogos abertos e ainda pertinentes. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE SARTRE: INTERSECCIONALIDADES NA COMPREENSÃO DO SUJEITO CONTEMPORÂNEO, 2., 2019, Maringá. Anais... Maringá: UEM, 2019.

FOUCAULT, M. A microfísica do poder. Org. Trad. Roberto Machado. 22. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FRASER, N. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era pós-socialista. In: SOUZA, J. (Org.). Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea. Brasília, DF: Editora UnB, 2001.

FRASER, N. Redistribuição ou reconhecimento? Classe e status na sociedade contemporânea. Interseções, ano 4, n. 1, p. 7-32, jan./jun. 2002.

FUSS, D. Interior colonies: Frantz Fanon and the politics of identification. Diacritics, v. 24, n. 2-3, p. 20-42, 1994.

GIBSON, N. Is Fanon relevant? Toward an alternative foreword to “the damned of the earth”. Human Architecture: Journal of the Sociology of Self-Knowledge, v. special, Double-Issue, Summer 2007.

GORDON, J. A. Creolizing political theory: reading Rousseau through Fanon. Fordhan University Press, 2014.

GORDON, J. A. Revolutionary in counter-revolutionary times: elaborating fanonian national consciousness into the twenty-first century. Journal of French and Francophone Philosophy – Revue de la Philosophie Française et de Langue Française, v. 19, n. 1, p. 37-47, 2011.

GORDON, L. R. Is the human a teleological suspension of man? Phenomenological Exploration of Sylvia Wynter's Fanonian and Biodicean Reflections. In: BOGUES, A. (Ed.). After man, towards the human: critical essays on Sylvia Wynter. Kingston: Ian Randle Publishers, 2006. p. 237-257.

GORDON, L. R. Through the zone of nonbeing: a reading of black skin, white masks in celebration of Fanon’s eightieth birthday. The C. L. R. James Journal, v. 11, n. 1, Summer 2005.

GORDON, L. R. What Fanon said: a philosophical introduction to his life and thought. New York: Fordham University Press Publication, 2015.

HALL, S. The After-life of Frantz Fanon: Why Fanon? Why now? Why black skin, white masks?” In: READ, A. (Ed.). The fact of blackness: Frantz Fanon and visual representation. London: Institute of Contemporary Arts and International Visual Arts, 1996. p. 12-37.

HARVEY, D. A violência nas ruas e o fim do capital. In: HARVEY, D. Contradições e o fim do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2014.

HEGEL, G. W. F. Carta a Niethammer de 13 de outubro de 1806. In: HEGEL, G. W. F. Correspondance, I. Paris: Gallimard, 1990.

HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do espírito. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

HEGEL, G. W. F. Filosofia da história. 2. ed. Brasília: Editora UnB, 2008.

HEGEL, G. W. F. La phénoménologie de l’esprit. Trad. J. Hyppolite. Paris: [s.n.], 1939. t. I.

HEGEL, G. W. F. Phänomenologie des geistes. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 2011.

HENRY, P. Caliban's reason: introducing afro-caribbean philosophy. New York: Routledge, 2000.

HONNETH, A. Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. Trad. Luiz Repa. São Paulo: Editora 34, 2003.

HOOKS, B. Feminism as a persistent criticque of history: What’s love got to do with it?. In: READ, A. (Ed.). The fact of blackness: Frantz Fanon and visual representation. Seattle: Bay Press; London: ICA, 1996.

HYPPOLITE, J. Gênese e estrutura da fenomenologia do espírito de Hegel. [S.l.]: Editora Discurso Editoria, 2003.

LOPES, F. M. N. Lukács: estranhamento, ética e formação humana. Orientador: Ozir Tesser Tese (Doutorado em Educação) — Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006.

LUC-FERRY, J.; RENAUT, A. Pensamento 68: ensaio sobre o anti-humanismo contemporâneo. São Paulo: Ensaio, 1988.

LUKACS, G. Ontologia do ser social: a falsa e a verdadeira ontologia em Hegel. Trad. Carlos Nelson Coutinho. [S.l.]: Livraria Editora Ciências Sociais Humanas, 1979.

LUKACS, G. Para uma ontologia do ser social II. Trad. Nélio Schneider; Ivo Tonet; Ronaldo Vielmi Fortes. São Paulo: Boitempo, 2013.

MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel (1843). In: ENDERLE, R.; DEUS, L. Karl Marx. São Paulo: Boitempo, 2010.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Trad. Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010.

MATTHIEU, R. Le genre de la race: Fanon, lecteur de Beauvoir. Actuel Marx, n. 55, p. 36-48, 2014. https://doi.org/10.3917/amx.055.0036

MBEMBE, A. Critique de la raison nègre. Paris : Éditions de la Découverte, 2013.

MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de excessão, política da morte. 3. ed. São Paulo: M-1 Edições, 2018.

MÉSZAROS, I. Filosofia, ideologia e ciência social. São Paulo: Boitempo, 2008.

NIETZSCHE, F. Crepúsculo dos ídolos. Trad. Marco Antonio Casa Nova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

PETERS, M. Pós-estruturalismo e a filosofia da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

RABAKA, R. Forms of fanonism: Frantz Fanon’s critical theory and the dialectics of decolonization. Lexington: Ed. Laham, 2011.

ROLLINS, J. And the last shall be first: the master-slave dialectic in Hegel, Nietzsche and Fanon. Human Architecture: Journal of the Sociology of Self-Knowledge, v. 5, n. 3, 2007.

SARTRE, J.-P. Orfeu negro. In: SARTRE, J. P. Reflexões sobre o racismo. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1960.

SEKYI-OUT, A. Fanon's dialectic of experience. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1996.

SHAKESPEARE, W. The tempest. Eds. Barbara A. Mowat; Paul Werstine. New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2009.

SHARPLEY-WHITING, D. T. Frantz Fanon: conflicts and feminisms. Washington: Rowman & Littlefield Publishers, 1997.

SIBERTIN-BLANC, G. A virada descolonial da psicose: Frantz Fanon, inventor da esquizoanálise. REvistaCult, 2015. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/virada-descolonial-da-psicose-frantz-fanon-inventor-da-esquizoanalise/. Acesso em: 22 fev. 2020.

SPIVAK, G. C. Can the subaltern speak? In: NELSON, C.; GROSSBERGE, L. Marxism and the interpretation of culture. London: Macmillan, 1988. p. 271-313.

TAYLOR, C. El multiculturalismo y la política del reconocimiento: ensayo de Charles Taylor. México: Fondo de Cultura Económica, 1993.

TAYLOR, C. Hegel e a sociedade moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

TROUILLOT, M.-R. Silencing the past: power and the production of history. Boston: Beacon Press, 1995.

VAISMAN, E. A obra tardia de Lukács e os revezes de seu itinerário intelectual. Trans/Form/Ação, v. 30, n. 2, p. 247-259, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732007000200016&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 29 abr. 2020

VAZ, H. L. Senhor e escravo: uma parábola da filosofia ocidental. Revista Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, n. 21, jan./abr. 1981.

YOUNG. L. Missing persons : fantasising black women in Black skin, white masks In: READ, A. (Ed.). The fact of blackness: Frantz Fanon and visual representation. London: Institute of Contemporary Arts and International Visual Arts, 1996. p. 12-37.

ZIZEC, S. Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético. São Paulo: Boitempo, 2013.

ZIZEC, S. Primeiro como tragédia, depois como farsa. Trad. Maria Beatriz Medina, São Paulo: Boitempo, 2011.

Downloads

Publicado

2021-08-31

Como Citar

Faustino, D. (2021). A “interdição do reconhecimento” em Frantz Fanon: a negação colonial, a dialética hegeliana e a apropriação calibanizada dos cânones ocidentais. Revista De Filosofia Aurora, 33(59). https://doi.org/10.7213/1980-5934.33.059.DS07